sexta-feira, 17 de agosto de 2012

As espondiloartropatias: Espondilite Anquilosante


Figura 1 - Existem pacientes que não se
enquadram nos quatro principais
grupos.  Esses são chamados EAP-I.


Resumo:
Inman, R. D, Cap. 279 - As espondiloartropatias in Cecil - Tratado de Medicina Interna, 22ª ed, 2005.

A
s espondiloartropatias (EAP) formam um grupo de síndromes clínicas que se relacionam devido as suas manifestações patológicas e a suscetibilidade genética. Fazem parte deste grupo a espondilite anquilosante, a artrite reativa, a artrite psoriática e a artrite enteropática. A espondiloartropatia indiferenciada (EAP-I) pode-se diferenciar em qualquer uma das demais, ou não, pode permanecer por longos anos.
         Estudos parecem mostrar que há uma via de suscetibilidade comum na qual várias influencias genéticas e ambientais levam a subconjuntos clínicos característicos. Clinicamente esses distúrbios têm forte predileção pela coluna vertebral, principalmente pelas articulações sacroilíacas. Há comumente também formação de osso novo nos locais de inflamação crônica, levando a anquilose articular. Se houver acometimento periférico este geralmente ocorre no membro inferior e é assimétrico. Existe predileção pelas ênteses (local de inserção dos tendões nos ossos) levando à entesite, que é uma manifestação típica desta artrite. A uveíte anterior também é uma característica das espondiloartropatias e pode ocorrer independente do envolvimento articular. E por fim, todas estas síndromes têm associação com o HLA-B27.
         O principal diagnóstico diferencial das EAP é a artrite reumatóide (AR). E as diferenças entre essas duas entidades são basicamente as seguintes:

CARACTERÍSTICA
ARTRITE REUMATÓIDE
ESPONDILITE ANQUILOSANTE
ARTRITE ENTEROPÁTICA
ARTRITE PSORIÁTICA
ARTRITE REATIVA
Relação homem/mulher
1:3
3:1
1:1
1:1
10:1
Associação HLA
DR4
B27
B27 (axial)
B27 (axial)
B27
Padrão articular
Simétrico, periférico
Axial
Axial e periférico
Axial, periférico e assimétrico
Axial, periférico e assimétrico
Sacroilíaca
0
Simétrica
Simétrica
Assimétrica
Assimétrica
Sindesmófito
0
Delicado, marginal
Deligado, marginal
Grosseiro, não marginal
Grosseiro não marginal
Olho
Esclerite
Irite
+/-
0
Irite e conjuntivite
Pele
Vasculite
0
0
Psoríase
Ceratodermia
Fator reumatóide
>80%
0
0
0
0
HLA: antígeno leucocitário humano

         A predileção por sexo, a associação HLA, o padrão de envolvimento articular e a presença ou ausência do fator reumatóide são os principais diferenciais entre a EAP e AR. No estudo histopatológico na AR há erosões nos locais de inflamação articular enquanto que na EAP o que ocorre é nova formação óssea. Sugere-se que o perfil da EAP seja causado por citocinas e linfócitos Th2, enquanto que da AR sejam linfócitos Th1.

         Os critérios para diagnóstico das espondiloartropatias mais comumente usados na prática clínica são os do Grupo Europeu de Estudos das Espondiloartropatias (ESSG,1991). Para o diagnóstico deve-se preencher pelo menos um critério maior e um critério menor:

  • Critérios maiores: 
    • Dor axial inflamatória
    • Sinovite assimétrica predominante em membros inferiores
  • Critérios menores:
    • História familiar positiva (espondilite anquilosante, psoríase, uveíte anterior, doença inflamatória intestinal)
    • Psoríase cutânea
    • Doença inflamatória intestinal
    • Uretrite ou diarreia aguda até 4 semanas precedentes a artrite
    • Dor em nádegas alternante
    • Entesopatia (inserção do tendão de Aquiles ou fáscia plantar)
    • Sacroileíte (bilateral graus 2 a 4 ou unilateral graus 3 ou 4)

HLA-B27


         A prevalência do antígeno HLA-B27 na população normal varia muito no mundo e o risco relativo da EAP é maior nos países em que esta prevalência é menor, pois o gene em indivíduos normais não reflete o risco relativo de doença, já que esta não existe. Por exemplo, nos brancos norte-americanos a taxa do HLA- B27 é de 7%, logo existe uma taxa de falso positivo de 7% se usarmos este gene como marcador diagnóstico. Por sua vez 90% dos pacientes com EAP são HLA-B27 positivos, acarretando 10% de falso-negativo. A chave nesses casos são os fatores clínicos pré-teste.


Espondilite Anquilosante


        Distúrbio inflamatório mais comum do esqueleto axial, ocorre em 0,2% da população geral, em 2% da população HLA-B27 positiva e em 20% da população HLA-B27 positiva com um membro da família afetado. Têm predominância evidente pelo sexo masculino (3:1). Geralmente acomete adultos jovens, porém pode ocorrer na adolescência e até mesmo na infância e raramente ocorre o início tardio da doença. 
         Classicamente ocorre inicio insidioso de lombalgia, que persiste por mais de 3 meses, acompanhada de rigidez matinal precoce e tipicamente melhorada pelo exercício. Tipicamente há dor nas articulações sacroilíacas, com ou sem radiação discreta para as nádegas. A fadiga também é uma queixa comum do paciente. Se a inflamação não for corretamente controlada haverá rigidez frequente e perda progressiva da mobilidade e flexibilidade.
         Trinta por cento dos pacientes com EA vão apresentar oligoartrite periférica, que tipicamente é assimétrica com predileção para os membros inferiores. Importante perguntar também a respeito de alguma tendinite prévia ou concomitante (ex. tendinite anquileana) ou dor no calcanhar (ex. fasciite plantar), pois estes podem refletir uma entesite que participa do quadro clínico. O envolvimento do quadril pode ocorrer em qualquer período da EA.
Figura 2 - Coluna vertebral
Fonte:  http://jeffersonleal.com.br 
         As estruturas extra-articulares mais cometidas são os olhos que são afetados em até 40% dos casos. Mais tipicamente ocorre a uveíte anterior aguda (irite) que se manifesta por discreto comprometimento da acuidade visual e fotofobia, podendo ocorrer dor ocular; geralmente é unilateral e recorrente. Manifestações menos frequentes são insuficiência aórtica, defeitos de condução cardíaca e fibrose pulmonar.
         O exame físico da coluna vertebral mostra restrição dos movimentos que no início da doença é causado em parte pelos espasmos dos músculos paraespinhais, porém mais tarde reflete a anquilose das articulações zigoapofisárias e ao ponteamento dos sindesmófitos dos corpos vertebrais. 
         A flexão para frente é restrita e pode ser monitorizada pela distancia dedo-chão quando o paciente se curva para frente. O teste de Schober é usado pra medir a flexibilidade na região lombar. Com o paciente em posição ortostática, um trecho de 10cm é marcado na quinta vértebra lombar para cima. Na flexão máxima para frente, a distância entre as marcas é remedida. com a mobilidade espinhal normal, a distancia flexionada deve registrar 15cm. 
         O envolvimento torácico é medico pela medida da circunferência é inspiração máxima que deve ser pelo menos 5cm superior à circunferência em expiração máxima. Alterações da mobilidade cervical são medidas pela distancia occipital parede, com o paciente em posição ortostática, com os calcanhares contra a parede e o paciente tentando tocar a parede com a parte posterior da cabeça. 
         A inflamação na articulação sacroilíaca pode ser revelada  por uma hipersensibilidade dolorosa na linha articular à pressão direta ou manobras de Fabere ou Gaenslen. Na manobra de Fabere o paciente em decúbito dorsal e o examinar flexona e roda o seu quadril externamente, na manobra de Gaenslen o examinar estende o quadril deixando a pernar pender para fora da mesa de exame, em ambos os casos o estresse imposto na articulação sacroilíaca pode produzir lombalgia se esta estiver comprometida.
         Os exames laboratoriais são inespecíficos. PCR e VHS geralmente estão elevados, porém menos que o encontrado na AR, pode haver anemia das doenças crônicas se a doença tiver longa duração; níveis séricos da imunoglobulina A podem estar elevados; não são encontrados auto-anticorpos; o HLA-B27 raramente é fator preditivo para o diagnóstico.
         A avaliação radiográfica é importante no diagnóstico, porém nos casos iniciais com alta suspeita para EA faz-se necessário o uso de cintilografia óssea, tomografia computadorizada ou ressonância magnética, por terem maior sensibilidade que a radiografia simples. As alterações nas articulações sacroilíacas são classicamente bilaterais, e incluem erosões na linha articular, pseudo-alargamento, esclerose subcondral e finalmente anquilose.
Figura 3 - Esquerda, espondilite lombar na espondilite anquilosante com pontes de sindesmófitos marginais e simétricos e calcificação do ligamento espinhal. Direita, perda da concavidade anterior normal das vértebras lombares (corpos vertebrais quadrados) e esclerose subcondral da margem superior do corpo vertebral.
         As radiografias da coluna podem revelar perda da concavidade anterior normal das vértebras e esclerose subcondral da margem superior do corpo vertebral (cantos reluzentes), ambos sendo manifestações de entesite. Os sindesmófitos representam pontes marginais das vértebras que acabam se desenvolvendo e tornando claro o diagnóstico. Devido a anquilose das articulações apofisárias poder ocorrer sem formação de sindesmófitos, é importante avaliar as articulações posteriores em incidências laterais da coluna. Eventualmente as alterações podem resultar em uma "espinha em bambu" assim chamada pelos sindesmófitos mimetizarem a aparência de um bambu.
         O diagnóstico diferencial inclui outras EAP, osteíte condesante do ílio, hiperostose-esquelética difusa, síndrome sinovite-acne-pustulose-osteomielite e alguns estados hiperostósticos induzidos (intoxicação por vitamina A, flurose). O curso clínico da EA é altamente variável, assim como a gravidade. Nos estágios iniciais a lombalgia inflamatória e a rigidez dominam o quadro, enquanto a dor crônica e a deformidade podem desenvolver-se com o passar do tempo; poucas variáveis ajudam o médico a definir o prognóstico. As complicações tardias incluem fratura intervertebral, síndrome da cauda equina, fraturas osteoporóticas por compressão, espondilodiscite e doença pulmonar restritiva.

         As informações a seguir foram extraídas do Consenso Brasileiro de Espondiloartropatias:
         Com relação ao tratamento são essenciais o amparo psicológico, fisioterapia sistemática em todos os estágios da doença e tratamento medicamentoso. Antiinflamatórios não hormonais (AINHs) são usados desde o início do tratamento, sendo que coxibes podem ser usados naqueles pacientes com potencial risco de toxicidade gastrointestinal ou que não toleram os AINHs convencionais. Estudos mostram que o uso contínuo de AINHs apresenta melhor resposta comparado ao uso intermitente dos mesmos e estes devem ser retirados somente após completa remissão clínica e laboratorial, sendo esta retirada lenta e gradual. O uso de corticosteroides é reservado a situações específicas, sendo elas: artrite persistente (prednisona até 10mg/dia) enquanto houver atividade da doença; artrite persistente refratária ou sacroileíte refratária (corticosteroide intra articular guiado por TC ou RM). Deve-se evitar o uso de corticoides a longo prazo pois estes promovem a desmineralização óssea, mesmos nos estágios iniciais. Nos pacientes que não responderam a no mínimo 2 AINHs num período de 3 meses e que apresentam envolvimento periférico proximal ou distal pode-se utilizar drogas de base de ação prolongada: 

  • Sulfassalazina 30 a 50mg/kg/dia é usado na artrite periférica e na prevenção da uveíte; pacientes com níveis elevados de VHS (doença mais ativa) e artrite periférica podem se beneficiar com o uso de sulfassalazina.
  • Metotrexato 7,5 a 25mg/semana VO ou IM apresenta melhor resposta nos pacientes com comprometimento periférico.
         Evidências consistentes vem mostrando que o uso de agentes biológicos contra o Fator de Necrose Tumoral alfa (TNFα) representam boa opção terapêutica na doença com atividade intensa. São eles: 

  • Infliximabe: 3 a 5mg/kg EV.: reduz índices laboratoriais, inflamação axial na RM, melhora qualidade de vida, reduz o uso de AINHs, e reduz incidência de uveíte anterior. Apresenta eficácia com o uso prolongado.
    • Esquema de ataque a 0, 2 e 6 semanas
    • Esquema de manutenção a cada 6 a 8 semanas
  • Etanercepte: 25mg, 2x/semana ou 50mg, 1x/semana, SC: melhora da dor, qualidade de vida, índices laboratoriais, diminui inflamação axial na RM e incidência de uveíte anterior. Apresenta eficácia com o uso prolongado.
  • Adalimumabe: 40mg, a cada 2 semanas, SC.
         Os agentes anti-TNFα apresentam eficácia a curto, médio e longo prazos, mas podem levar a recidiva se suspensos abruptamente. Devem ser usados em monoterapia. Indica-se o uso desses agente para quando o paciente apresenta resposta inadequada a dois ou mais AINHs por num período mínimo de 3 meses, e que não responderam à associação com metotrexato ou sulfassalazina, por período adicional de 3 meses, em casos de artrite periférica em atividade. Pode-se considerar EA em atividade quando o paciente mantém o BASDAI maior ou igual a 4.

Mais sobre o assunto:

Nenhum comentário:

Postar um comentário